Uma das decisões mais importantes da minha vida aconteceu quando eu tinha 14 anos. Eu e minha família estávamos na casa de praia, próximo da nossa casa de moradia, em uma cidade fluminense do Rio de Janeiro. Era quase na hora do almoço, mamãe estava preparando nossa refeição. Eu estava retirando nossa roupa da máquina de lavar para estender no varal da nossa aconchegante casa, sob um sol forte. Havia também um gostoso vento nordeste, bem típico de regiões praianas. Eu estava preocupada com meu futuro. Meus pais eram e ainda são amorosos, nunca faltou nada essencial e o não essencial foi transmitido em forma de estudos/esportes paralelos à escola pública estadual, “Instituto de Educação”.
Marivel Duncan – Colunista Portal Gente Mais
Meu pai havia fechado o escritório de advocacia no centro da cidade e estava atendendo em nossa casa, pois com o nascimento da terceira filha, minha irmã, que nasceu com um grave problema de sangue, precisou estar fisicamente em casa para dar assistência à minha irmã, que nas crises ficava entre a vida e a morte. Minha mãe exercia o magistério como professora de música e regente de coral nas escolas. Todas as filhas aprenderam música – piano, mas fui a única que me formei em piano clássico no Conservatório. Certamente a música em minha vida foi o recurso mais espetacular que potencializou a resiliência em minha vida.
Neste determinado dia eu estava preocupada com meu futuro. Após as férias de verão, iniciaria o período letivo do 1º ano, que equivale hoje ao início do Ensino Médio. Eu estava determinada a ter uma vida muito feliz, eu queria melhores condições financeiras que minha família para ter alguém para me ajudar nos serviços da casa. Eu não ambicionava conhecer o mundo, nem ter um carro importado, eu só queria uma casa confortável com uma funcionária para eu realizar minhas atividades intelectuais favoritas. Eu gostava muito de ler, escrever, estudar, andar com meu pai, tocar piano, nadar, jogar com minha irmã e vizinhos, cantar no coral da minha mãe e visitar meus avós, tios e primos. Eu me sentia viva quando experimentava estes momentos, que competiam com os serviços domésticos que aos poucos minha mãe precisou delegar para mim e minha irmã do meio para que ela pudesse cuidar da saúde da minha pequena irmã.
Havia um desespero dentro de mim, de sair daquele sofrimento de angústia de não saber se teríamos um dia normal ou um dia de hospital, se teríamos que assumir o papel de minha mãe nos serviços domésticos. Quando os dias eram pouco fáceis não sobrava muito tempo para ler, estudar, tocar e nadar.
E foi neste dia de sol, ao estender a roupa, eu disse para mim em tom de decisão, como uma Scarlett O’Hara: Eu quero ser independente, ter uma vida leve e em paz. A paz era o que ressoava na minha mente, a independência era o meio, a leveza era o modo como meus dias seriam.
Compaixão, palavra desconhecida para mim, mas que hoje identifico como o modo que reconheci a minha dor naquela época e o desejo de aliviá-la com todas as forças que eu tinha. Eu decidi que eu acordaria cedo, estudaria muito, seria a melhor aluna, que eu não desperdiçaria nenhum dia, até conseguir meu objetivo.
Eu amava meus pais e ainda amo. Eles são formidáveis e hoje mais experientes, são como a Flor de Lótus, renasceram fortes da lama de sofrimento, com uma beleza própria. Mas eu estava decidida, determinada e me sentindo extremamente forte e motivada.
Eu nunca imaginei que ao ser compassiva comigo mesma eu seria para os outros a minha melhor versão. Estava convicta do meu desafio, tinha recursos mentais para isso. Eu tinha consciência da minha grande característica: Estrategista. Conhecia meus pontos fracos e vulneráveis que procurava proteger para não sofrer e fui em busca de conquistar mais recursos.
Ser Resiliente é a capacidade que a pessoa tem de lidar com situações estressantes e difíceis, ela se dobra, enverga, mas não se quebra. Aguenta firme até a tempestade passar. Eu me sentia assim, exceto com minha vulnerabilidade que construí muros para não ser atingida. Havia uma tristeza dentro de mim que sentia vontade de chorar às vezes. Era como ter que usar uma armadura para não mostrar minha vulnerabilidade, mas por dentro havia uma pessoa sensível capaz de conectar. Mas meu jeito estratégico não me deixava mostrar este lado sensível na essência pura, este lado aparecia somente quando tocava piano, escrevia poesias, olhava para as pessoas, conectava com uma boa expressão- apenas quando assim eu escolhia. Todavia jamais perdi o foco, o destino, a causa, o bom combate. Aprendi a ser ágil antes de começarem a utilizar este vocábulo.
Com o tempo fui mostrando minha força, meus sucessos precoces, meus resultados. Fui abrindo a armadura, conheci meu grande amor, cuidei de minas emoções, aperfeiçoei minha resiliência.
Se me perguntarem como aprendi a ser resiliente sem precisar contar esta história de vida, eu resumiria que é importante criar na vida diária doses de leveza. Foi esta emoção positiva que me fazia flexibilizar, envergar, apreciar a vida, mesmo nas perdas, nas dificuldades, pois no fundo eu tinha certeza de que a tempestade passaria. Eu diria também que a resiliência é uma construção, você não nasce assim, a prova disso foi que escondi minha vulnerabilidade por um tempo porque não sabia lidar.
Acrescento que a retirada da minha armadura foi fruto de outra decisão, mas isso é outra história, quem sabe escrevo… o importante é que esta decisão veio contribuir com minha resiliência, mas não a resiliência propriamente dita, mas com a resiliência social. Eu não disse que é outra história! Apenas um spoiler então: Aprendi a compartilhar esta capacidade com meu grande parceiro de vida na mesma dificuldade, com respeito e conexão, com colegas de trabalho ou com pessoas desconhecidas, que estão inclusive comigo vivenciando uma realidade compartilhada: a pandemia, grande treinamento para a resiliência social. Seja imparável! E se cansar muito não pare, apenas descanse e segue o jogo. No final tem sempre um pote de ouro que faz tudo valer a pena.
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