“Às vezes a nossa atividade, o nosso trabalho não passa de uma imitação barata que amortece a dor de uma vida vazia.”
Adolfo Coors IV
O hamster estava deitado de lado, exausto, a uma pequena distância do moinho. Apenas o som rouco de sua respiração difícil quebrava o silêncio da manhã.
Vagamente o hamster conseguia recordar a onda de adrenalina que há tanto tempo acompanhara seus primeiros passos enérgicos em direção à linha de chegada, que imaginava estar à sua frente. Mas não conseguia se lembrar de quando de fato começara a correr. E o pior, não conseguia se lembrar porque estivera correndo. Fora tão excitante no início, mas de repente, ao longo do caminho, a alegria tinha sido substituída pela exaustão, e uma sensação de amortecimento acabara com toda a esperança: não havia linha de chegada.
Deitado ali sobre a palha úmida, o hamster fechou os olhos e deixou que sua respiração voltasse lentamente ao normal. Nesse raro momento de inatividade, sentiu o cheiro da realidade do mundo à sua volta pela primeira vez há muito tempo. Desfrutou de tudo aquilo, mas apenas por um momento. O som que vinha do moinho chamou sua atenção, fazendo-o abrir os olhos. Virou a cabeça a tempo de ver a imensa roda do moinho rangendo enquanto parava.
Sentou-se devagar e olhou para a máquina que dominara tanto a sua vida. “Esse moinho o está matando”, era uma voz conhecida que lhe falava lá do fundo do coração. “Não desperdice nenhum momento mais nessa corrida”, insistiu a voz, enquanto ele bebia um grande gole na fresca fonte de água ao lado. Devia haver mais coisas na vida do que a máquina oferecia. A água fresca o reanimou e sua respiração amenizou-se. Sentiu-se refrescado. Talvez pudesse começar uma vida nova. Talvez hoje! Mas como? O que poderia fazer depois? Para onde iria? Que alvos buscaria?
Bem, aquelas decisões poderiam ser tomadas mais tarde. No momento, o hamster sentia-se um pouco assustado com a perspectiva de mudanças. Até que pudesse elaborar os detalhes, ficaria com o conhecido e verdadeiro. E seguro. Assim, ainda sonhando com as coisas que poderiam acontecer, inconscientemente subiu na roda pela milésima vez na sua curta vida. Logo, logo, o zumbido hipnotizador do moinho e o reflexo da luz, passando pelos raios da roda, bloqueariam lhe a dor. A liberdade e a aventura podiam esperar. Aquela roda não exigia riscos, nem fé, nem pensamento. Poderia viver suas novas aventuras mais tarde. Era preciso apenas correr.
A vida desse hamster é um paralelo da vida de muitos homens e mulheres do século XXI. Presos numa roda de monotonia e conformismo, percebem apenas os vislumbres das verdadeiras possibilidades que a vida tem para oferecer. Esses breves vislumbres de esperança são momentos de oportunidades, geralmente perdidas por causa da dificuldade de saírem do círculo vicioso em que vivem. Manter a roda girando os deixa ocupados demais para planejar uma mudança significativa. Além disso, traçar um novo rumo para um futuro desconhecido é assustador – e a vida rotineira, embora estressante, é segura.
Outro dia li uma breve biografia que resumia o tempo de vida de milhares de pessoas que preferiram trilhar o caminho da banalidade, sem nunca aceitar o desafio de deixar o lugar comum, a roda da infelicidade, a mediocridade, e ascender à dimensão mais alta do seu próprio potencial. Talvez, você já tenha lido:
“Salomon Grunday... Nasceu numa segunda-feira... Batizado numa terça... Casado na quarta... Adoeceu na quinta... Piorou na sexta... Morreu no sábado... Foi enterrado no domingo... e este foi o fim de Salomon Grunday.”
Certamente, a história de uma vida irônica como essa é estimulada por uma sociedade apática que prefere o atalho fácil ao caminho produtivo; exalta a displicência, ao invés da diligência, promove uma ética de trabalho que se concentra mais nos direitos do que nas responsabilidades, balança os ombros em vez de estender a mão de ajuda, responde ao chamado para agir com a pergunta: “Qual é o meu papel nisso?” E prefere continuar girando na roda que leva a lugar nenhum.
Fuja da roda e... sucesso!
Como disse William Cowper: “A verdadeira felicidade consiste em gastar nossas energias com um propósito”.
Daniel Luz é Diretor de Recursos Humanos da Miranos e colunista do Gente Mais Portal.
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